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Candomblecista pede asilo e EUA sugerem Nordeste, mas RS é líder em fé afro

Adornos típicos de religião de matriz africana, babalorixá, mãe de santo, terreiro, Umbanda, Candomblé, guias - Joa_Souza/Getty Images
Adornos típicos de religião de matriz africana, babalorixá, mãe de santo, terreiro, Umbanda, Candomblé, guias Imagem: Joa_Souza/Getty Images
do UOL

Colaboração para o UOL*

11/06/2025 08h01

O Rio Grande do Sul, estado com a maior proporção de praticantes de religiões de matriz africana no Brasil, foi ignorado em decisão da Justiça dos Estados Unidos, que negou asilo a um casal candomblecista e sugeriu que eles se mudassem para o Nordeste.

O que aconteceu

Decisão partiu da Corte de Apelações do Nono Circuito, na Califórnia. O casal, acompanhado do filho menor de idade, alegou sofrer perseguição religiosa em Goiás e pediu asilo humanitário para evitar deportação. No entanto, os juízes entenderam que o governo brasileiro seria capaz de protegê-los.

Em vez de reconhecer o risco, os juízes recomendaram uma mudança de região. "O candomblé é popular e celebrado no Nordeste do Brasil", afirma a decisão. Segundo os magistrados, o casal teria habilidades transferíveis e poderia recomeçar a vida na região.

Dados oficiais do IBGE contradizem a justificativa adotada pela Corte. O Censo 2022 mostra que o Rio Grande do Sul lidera em proporção de praticantes da umbanda e do candomblé, com 3,2% da população —mais do que o triplo da média nacional. Na cidade de Viamão, o índice chega a 9,3%.

Especialistas consideram que a concentração no RS é fruto de resistência cultural. A mobilização de terreiros e o combate ao apagamento da população negra contribuíram para a alta visibilidade das religiões afro no estado. "É uma resposta histórica à exclusão", afirma o antropólogo Erico Carvalho, em entrevista à Folha de S.Paulo.

Articulação religiosa no estado também tem forte dimensão política. Em 2014, o Rio Grande do Sul se tornou o primeiro estado a criar um conselho estadual de direitos do povo de terreiro, que mobilizou mais de 5.000 casas religiosas em uma conferência estadual. A ação foi liderada por Baba Diba de Iyemonja, que destacou à Folha: "É muito terreiro. Tu não dorme à noite aqui na capital gaúcha sem ouvir, lá no fundo, o som dos tambores. Isso faz parte do cotidiano do Rio Grande do Sul".

Durante as enchentes de 2024, os terreiros também atuaram na linha de frente da reconstrução. Lideranças religiosas organizaram redes solidárias e aram a reivindicar apoio do poder público para a recuperação dos espaços sagrados atingidos pelas chuvas. "A importância da defesa dessa identidade também ficou evidente na hora de reivindicar reconstrução e ajuda aos terreiros destruídos", declarou Baba Diba.

Apesar da concentração, a intolerância religiosa segue espalhada por todo o país. Em 2024, o Brasil registrou 3.853 denúncias de violência religiosa —aumento de 80% em relação ao ano anterior. Os principais alvos foram adeptos da umbanda e do candomblé.

Porto Alegre é berço do Dia da Consciência Negra e do batuque. A capital gaúcha abriga cerca de 65 mil terreiros e é referência nacional nas religiões de matriz africana. Monumentos em homenagem ao orixá Bará e personalidades como o Príncipe Custódio reforçam a ancestralidade afro no estado.

Invisibilidade

Invisibilidade da população negra no RS é apontada como parte da construção do imaginário oficial. "Podemos observar que os símbolos são a imigração alemã, a italiana, dos [portugueses] açorianos e que havia um discurso de que os negros escravizados estavam em menor número e que seria uma escravidão mais branda, quando foi, na verdade, tão intensa quanto em todo o Brasil", explicou à Folha o antropólogo Erico Carvalho.

Pluralidade das religiões afro também desafia simplificações regionais. Em Alvorada (RS), a mãe de santo Michelly da Cigana mantém um centro dividido entre três salões: um com homenagem a Oxum, outro dedicado à umbanda e um terceiro para ritos de quimbanda —onde ergueu uma estátua de Belzebu. "Eu quis exaltar o nome dele e dizer que não tenho e nunca vou ter vergonha da minha fé", afirmou. "Para mim, ele é um rei, uma entidade que está acima de tudo e que me traz todas essas coisas positivas e boas".

A decisão da Justiça americana gerou críticas por reforçar estereótipos. Pesquisadores apontam que o julgamento se baseia numa imagem folclórica do Nordeste e ignora a complexidade da distribuição religiosa no Brasil. "Religião não tem CEP", resumiu a pesquisadora Carolina Rocha.

O que diz o Censo 2022 sobre religiões afro no Brasil:

Proporção nacional: 1% da população brasileira se identifica como umbandista ou candomblecista.

Maior concentração: Rio Grande do Sul (3,2%), seguido por Bahia (1,6%) e Rio de Janeiro (1,5%).

Município recordista: Viamão (RS), com 9,3% de adeptos.

Perfil racial no RS: 55,3% brancos, 24,5% pretos, 19,5% pardos.

Crescimento: A proporção de praticantes triplicou desde o Censo de 2010.

Regiões com maior presença proporcional: Sul (1,6%) e Sudeste (1,4%).

*Com informações de matérias publicadas em 10/06/2025, 04/05/2022, 22/03/2023; e da Folha de S.Paulo, em 07/06/2025.

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